domingo, 19 de julho de 2009

MAR ABERTO




O tecido fino flutuava no mar e enfeitiçava a calmaria.Noites de chuva e tardes de sol maltratavam, desbotavam, mas ele ainda boiava. De tão fina, recusava-se a perder a batalha para o oceano denso, e assim cruzou alguns dias, não importa quantos. O tempo parou quando a menina o deixou cair da sacada do navio. Séculos de brigas com as ondas seriam instantes vazios se comparados às pesadas lágrimas que encharcaram de tristeza aquele lenço, pouco antes de o vento roubá-lo das mãos doces que nunca mereceram tal sofrimento.


Aquele pedaço de pano deixou de ser nobre ainda no trajeto entre os dedos serenos que o largaram e o mar cheio de fúria que se erguia naquela manhã. O vento, guia ingrato, cuidou do afstamento. E a menina não tinha mais como estancar o choro. Sofria por ter sido arrastada para aquela viagem. O pai, vinte anos mais velho que a mãe, não aprendeu que o amor despreza idade. Via na filha um fruto verde incapaz de se alimentar uma paixão. Ela e o namorado, juntos há poucos meses, uniam o frescor de uma nova experiência a um amadurecimento quase inacreditável, como se fossem recém-casados já em bodas de prata.


A impressão era que, no primeiro encontro, tinham sido derretidos para depois renascerem de um só molde. Em tão pouco tempo, descobriram juntos que era impossível escapar daquela devoção extrema. O conto de fadas prosseguiria se não tivessem descoberto também o sexo. Se não tivessem abolido os limites. Se não tivessem gerado um filho. Se o mundo não fosse desumano a ponto de tratar o produto de algo tão puro como a prova mais evidente de um crime hediondo. Por isso ela estava no navio, carregando no ventre a razão do castigo e chorando a dor incurável do rompimento.


O lenço caiu no mar impregnado de mágoa e saudade, mas também de um sentimento casto, misturando a mais inocente poesia à mais lasciva volúpia. Vagou sem contar as horas, seguindo correntes e obrigando-se a vencer as tormentas que atingiam em dobro o interior da embarcação já distante.
Semanas passaram voando, talvez meses. E o mísero pedaço de pano resistiu como o pescador que desafia o temporal. O diálogo com o mar beirou a crueldade, mas havia nele um suspiro humanista que passava longe da civilização. A extensão infinita do oceano joga a vida para onde não há amarras, conforme o ritmo natural das ondas. E a praia receberia o lenço como mais um pedaço de lixo, mais um insignificante pedaço de lixo dos homens.
Misturado à espuma suja ele chegou, ferido, rasgado. Era fim de tarde. Lentamente, como se resistisse, foi empurrado em direção à areia. As ondas pareciam piedosas e quebravam suaves. Embalado por um ritmo que o fez esquecerquem o largou na água, o lenço parou nos pés de outra menina. Foi docemente empurrado, mas voltou na marola seguinte. Um garoto o pegou com a mão e o jogou para trás. Eram duas crianças lado a lado, que juntas não somavam quinze anos. Conheceram-se ali.
Timidamente, trocaram palavras por algum tempo, e despediram-se combinando uma nova conversa no dia seguinte.
antes de ir embora, ele inclinou o corpo para o lado e beijou o rosto dela. Uma estranha calma tomou a praia vazia enquanto o sol baixava atrás das ilhas. Naquela noite que começava, não se via nenhum navio no horizonte.

Demorou mais eu postei de novo......!!!